Processo n° 0800245-51.2022.8.10.0034
Autora: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO
Réu: MUNICÍPIO DE CODÓ/MA
DECISÃO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO ajuizou a presente demanda de AÇÃO CIVIL
PÚBLICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA DE URGÊNCIA, em desfavor do
MUNICÍPIO DE CODO.
Aduz a parte autora que o Governo do Estado do Maranhão, reconhecendo o recrudescimento da
pandemia em decorrência do avanço do número de casos de contaminação, editou o Decreto nº 37.360/2022,
reconhecendo o estado de calamidade no Estado, em razão do recrudescimento da pandemia devido à ação da variante
Omicron do novo coronavírus, e o Decreto nº 37.362/2022, restabelecendo medidas de restrição previstas no Decreto nº
37.176/2021.
Não obstante, afirma que o Município de Codó, pela mesma razão, editou o Decreto Municipal nº
4.334/2021, autorizando a realização de eventos sem limitação de público em locais abertos, prevendo apenas a adoção de medidas inócuas para a situação do momento, até mesmo por ausência completa de fiscalização do seu cumprimento, como o previsto no art. 3º, em locais abertos, o uso de máscaras, algo que a realidade já demonstrou há muito tempo que absolutamente não se observa em momentos de festividade.
Pugnou pela concessão da tutela de urgência, nos termos do art. 300 c/c art. 301 do Código de Processo Civil que, no uso dos poderes que lhe conferem tais dispositivos processuais, ordene ao Município de Codó, por seu Prefeito Municipal, que adote as medidas legais necessárias à imediata suspensão da realização de toda e qualquer festa de carnaval, por meio de blocos de rua ou em clubes, pública ou privadas, enquanto não apresentar estudo científico que demonstra não haver risco, ante a situação atual do avanço da pandemia pela nova variante Omicron ou outra que venha a surgir, de agravamento da pandemia da covid-19 no município, sob pena de multa diária no valor de
R$ 30.000,00 (trinta mil reais), caso não atendido.
No mérito, pugnou pela procedência do pedido com a confirmação da tutela de urgência.
O Código de Processo Civil, Lei 13.105/2015, estabeleceu em seu art. 294 a tutela provisória, fundada em
cognição sumária, que pode fundamentar-se em urgência ou evidência. É fundada em juízo de probabilidade, ou seja,
não há certeza da existência do direito da parte, mas uma aparência ou probabilidade de que esse direito exista.
Como espécie do instituto processual previsto no Livro V, do novel diploma processual civil, tem-se a tutela
de urgência (art. 294), providência pleiteada pelo autor em sua inicial, cujos requisitos autorizadores estão dispostos no
art. 300, caput e §3º, do NCPC.
Para a concessão da medida, necessário o preenchimento de dois requisitos positivos – A presença de
elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo – e um
negativo – a reversibilidade dos efeitos da decisão.
No caso dos autos, o Ministério Público Estadual pretende a concessão de tutela de urgência para a
suspensão da realização de toda e qualquer festa de carnaval, por meio de blocos de rua ou em clubes, pública ou
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privadas, enquanto não apresentar estudo científico que demonstra não haver risco, ante a situação atual do avanço da pandemia pela nova variante Omicron ou outra que venha a surgir, de agravamento da pandemia da covid-19, no
município, com vistas à preservação da saúde pública.
O direito à saúde foi inserido na Constituição Federal de 1988 como um direito social fundamental (art. 6º)
e por estar intimamente atrelado ao direito à vida, manifesta ainda a proteção constitucional à dignidade da pessoa
humana.
Em seguida, a Constituição Federal de 1988 reconhece a saúde como direito de todos e dever do Estado,
como se vê da redação de seu art. 196, abaixo transcrito:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Assim, ao Poder Público incumbe formular e implementar políticas sociais e econômicas que tenham por
objetivo garantir aos cidadãos o acesso universal e igualitário à assistência médico hospitalar.
Com efeito, a norma constitucional inscrita no art. 196 tem caráter programático, cujos destinatários são
todos os entes políticos que constituem a organização federativa do Estado Brasileiro.
Bastante esclarecedora, neste sentido, a seguinte lição de José Cretella Júnior, extraída da obra
Comentários à Constituição de 1988:
“nenhum bem da vida apresenta tão claramente unidos o interesse individual e o interesse social, como o
da saúde, ou seja, do bem-estar físico que provém da perfeita harmonia de todos os elementos que
constituem o seu organismo e de seu perfeito funcionamento. Para o indivíduo saúde é pressuposto e
condição indispensável de toda atividade econômica e especulativa, de todo prazer material ou intelectual.
O estado de doença não só constitui a negação de todos estes bens, como também representa perigo,
mais ou menos próximo, para a própria existência do indivíduo e, nos casos mais graves, a causa
determinante da morte. Para o corpo social a saúde de seus componentes é condição indispensável de sua
conservação, da defesa interna e externa, do bem-estar geral, de todo progresso material, moral e político.”
É notória o reagravamento da pandemia que assola o planeta em razão da disseminação do chamado
“novo coronavírus” desde o início de 2020, sobretudo com a descoberta de novas variantes como a Delta e a Omicron,
que demonstram uma maior transmissibilidade, além de outras síndromes gripais que tem acometido a população
nacional, e mesmo mundial.
É de notório conhecimento que a Organização Mundial de Saúde previu, dentre as medidas de saúde
pública necessárias para diminuição da transmissão do COVID-19 e Síndromes Gripais a PROIBIÇÃO DE
AGLOMERAÇÕES e o distanciamento/isolamento social.
Assim, as autoridades sanitárias da Organização Mundial de Saúde (OMS), bem como as autoridades de
saúde nacionais vem desempenhando e propagando importantes medidas para o combate ao COVID-19, sobretudo o
isolamento/distanciamento social, como forma de conter a disseminação da doença entre as pessoas e evitar novo
“colapso” do Sistema Único de Saúde em nosso país.
Igualmente, O Governo Estadual do Maranhão, atento a gravidade da situação, publicou o Decreto nº
37.360/2022, reconhecendo o estado de calamidade no Estado, em razão do recrudescimento da pandemia devido à
ação da variante Omicrom do novo coronavírus, e o Decreto nº 37.362/2022, restabelecendo medidas de restrição
previstas no Decreto nº 37.176/2021.
O direito à vida deve ser interpretado de forma ampla, compreendendo não somente o direito de estar vivo,
mas também o de viver dignamente.
Neste sentido, Alexandre de Moraes ensina que:
O direito humano fundamental à vida deve ser entendido como direito a um nível de vida adequado com a
condição humana, ou seja, direito à alimentação, vestuário, assistência médico-odontológica, educação,
cultura, lazer e demais condições vitais. (Direitos Humanos Fundamentais, 7.ª ed., São Paulo, Atlas, p. 79)
Registre-se que em tempos normais as reuniões em público não necessitam de autorização, embora
tenham que ser comunicadas ao poder público competente. Todavia, o interesse jurídico na preservação da saúde da
população prevalece sobre o interesse de garantia à liberdade de reunião e diversão.
Neste diapasão, o ato mencionado está em plena consonância no sentido de suspender aglomerações de
forma a restringir/diminuir o fluxo de pessoas, reforçando assim o isolamento social necessário para o combate efetivo
ao COVID-19 e as demais Síndromes Gripais que causam tanta preocupação a grande maioria da população.
No caso em apreço, é imperiosa a concessão de medida liminar , já que estão perfeitamente
caracterizados os seus pressupostos, consistentes na: probabilidade do direito alegado – como já bem demonstrado, a
saúde é direito público subjetivo de todos os cidadãos, merecedores da recepção do tratamento médico de que
necessitam, sendo de responsabilidade dos entes públicos esta tutela; perigo de dano irreparável – caso continue a
imensa movimentação de pessoas vindos de diversos lugares para participarem de festividades no município,
certamente o vírus se proliferará rapidamente, colapsando o frágil sistema de saúde local, sobretudo considerando que
os municípios circunvizinhos voltaram a proibir as festividades com aglomerações.
Ante o exposto, DEFIRO o pedido de tutela de urgência e determino que o Município de Codó, por seu
Prefeito Municipal, adote as medidas legais necessárias à IMEDIATA SUSPENSÃO DA REALIZAÇÃO DE TODA E
QUALQUER FESTA DE CARNAVAL, por meio de blocos de rua ou em clubes, pública ou privadas, enquanto não
apresentar estudo científico que demonstre não haver risco, ante a situação atual do avanço da pandemia pela nova
variante Omicron ou outra que venha a surgir, de agravamento da pandemia da covid-19 no município, ou enquanto
durar o Estado de Calamidade Pública a nível Estadual;
O descumprimento desta decisão implicará em pena de multa de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais).
Determino a citação do réu para, querendo, oferecer contestação no prazo de 30 (trinta) dias úteis.
Notifiquem-se. Intimem-se.
Dê-se ciência ao representante do Ministério Público.
Atribuo força de mandado a esta decisão, em atenção aos princípios da celeridade e economia processual.
Cumpra-se, com urgência.
Codó/MA, 14 de janeiro de 2022.
ELAILE SILVA CARVALHO
Juíza de Direito Titular da 1ª Vara da Comarca de Codó